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segunda-feira, 18 de julho de 2011

A ESSAS E TANTAS OUTRAS ...



Essas que se embrenharam mata adentro e se negaram aos colonizadores e as que colaboraram com os colonizadores e casaram com eles; essas que embarcaram ainda crianças e as que ultrapassaram os limites da chegada; essas que levaram chibatadas e marcas de ferro quente e as que se revoltaram e fundaram quilombos; essas que vieram embaladas por sonhos e as que atravessaram nos porões da  escuridão; essas que geraram filhas e filhos e as que nunca pariram, essas que acenderam todas as espécies de velas e as que arderam nas fogueiras; essas que lutaram com armas e as que combateram sem elas; essas que cantaram, dançaram, pintaram e bordaram e as que só criaram empecilhos; essas que escreveram e traduziram seus sentimentos e as que nem mesmo assinavam o nome; essas que clamaram por conhecimento e escolas e as que derrubaram os muros com os dedos; essas que trabalharam nos escritórios e fábricas e as que empunharam as enxadas no campo; essas que ocuparam, ruas e praças e as que ficaram em casa ; essas que quiseram se tornar cidadãs e as que imaginaram todas votando; essas que assumiram os lugares até então proibidos e as que elegeram as outras; essas que cuidaram e trataram dos diferentes males e as que adoeceram por eles; essas que alimentaram e aplacaram os vários tipos de fome e aquelas que arrumaram a mesa;essas que atenderem,datilografaram e secretariaram e aquelas que lavaram e passaram sem conseguir atenção; essas que doutoraram e ensinaram e as que aprenderam com a vida; essas que nadaram, correram e pularam, e as que sustentaram a partida; essas que não se comportaram bem e amaram de todas as  maneiras e as que fizeram sem pedir licença; essas que desafinaram o coro do destino  e as que com isso abriram as alas e as asas; essas que ficaram de fora e aquelas que ainda virão;essas e tantas outras que  existiram dentro da  gente e as que viveram por nós.(SCHUMAHER&BRAZIL,2000:16)

O discurso de luta não se opõe ao inconsciente: ele se opõe ao segredo. ( Michel Focault)

QUANTO MAIS VELA MAIS ACESA - ELISA LUCINDA

Mãe eu tô com fome

eu dizia eu gritava eu mugia

minha vó zangada respondia

você não está morrendo e nem tem fome

Você tem é apetite

Você sabe que vai comer, aonde comer, o quê vai comer.

Fome não! A fome, minha neta,

a fome, meu irmão,

a fome, minha criança,

é um apetite sem esperança.

Quando há certeza de cereais, toalhas americanas,

guardanapos e alegrias da coca-colândia

não há fome de verdade.

Minha vó já dizia pra mim um futuro de Brasil.

Minha vó nem viu edifício crescer no lugar de pão

no lugar de trigo

nem viu criança com infância de semáforo

vendendo mariola barata, criança que mata

porque seu quintal tá sempre no vermelho

criança cujo ralado de joelho

dói menos do que o não morar, não existir, não contar

com a fome tenaz

Não há tenaz na escola

há só a cola de cheirar a dor doída

de um monstro estômago a roncar

um animal doído dentro do corpo a uivar

todo dia, sem boa vista, sem quinta zoológica onde morar

Com a fome das crianças brasileiras

forra-se a mesa, arma-se o banquete

dos que sempre tiveram apenas apetite.

A faminta criança foi apenas o álibi, o cardápio, o convite.

Desmamada ela cresce procurando o peito da pátria amada

uma banana, uma manga, uma feijoada

e a mãe pátria diz nada.

Tem ela apenas o horror, o descalor, a calçada

um ódio a todos os tênis dos meninos nutridos

um ódio a mochilas, a saudáveis barrigas

com contínuo furor de assaltar os relógios

um deter o tempo que é o seu verdadeiro balão

um cai-cai balão que só cai à mão armada.

A fome gera a cilada de uma pátria de não irmãos.

A gente podia ter gripe, asma, catapora, bronquite

A gente podia ter apetite mas fome não.

Minha vó bem que dizia sem errança:

fome é um apetite sem esperança.

(Escrito especialmente para a Campanha Ação da Cidadania Contra a Miséria e Pela Vida/ Betinho / 93. Encenado pela Cia. Teatral do Movimento sob a direção de Ana Kfouri).




A REALIDADE DA MULHER E A REPRESENTAÇÃO DO FEMININO SOB O PONTO DE VISTA ÉTICO-MORAL



“Dividimos as coisas por gêneros, designamos a árvore como feminina, o vegetal como masculino: que transposições arbitrárias! A que distância voamos além do cânone da certeza!                     
 (...) O que  é a verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após  longo uso parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias (...). Tudo o que destaca o homem do animal depende desta aptidão de liquefazer  a metáfora intuitiva em um conceito. Ou seja, no reino daqueles esquemas é possível algo que nunca poderia ter êxito sob o efeito das primeiras impressões intuitivas: edificar uma ordenação piramidal por castas e graus, criar um novo mundo de leis, privilégios, subordinações, demarcações de limites (...) “(Nietzsche; 1996: 55; 57)


1. Introdução:

         O caso de A.R., que relataremos em seguida, é uma bandeira da questão feminina na cultura ocidental: é ela uma mulher destituída de posses, de direitos, excluída do sistema produtivo, vítima de violência, portadora de distúrbios mentais, enfim, um ser singular e genérico, socialmente constituído numa sociedade machista, cujo sistema produtivo é excludente - afirmando e reafirmando, historicamente, o predomínio de homens sobre as mulheres no mercado de trabalho, nos espaços políticos e culturais.
         Em que pesem todas as possibilidades de análise do caso, tentaremos analisá-lo sob a perspectiva histórico-sociais e objetivos, nos detendo, por uma questão de pertinência no tema proposto: o aspecto ético-moral que, de resto, engloba a questão dos direitos sociais, políticos e individuais, uma vez que, e embora desconsiderada como tal, A.R. é cidadã brasileira.
         Iniciaremos por considerar a construção do conceito de “gênero” como uma representação útil à subalternização da mulher, às práticas abusivas da sexualidade, à valoração social  do gênero (em nossa sociedade, a afirmação social do masculino é patente, em detrimento do feminino). De igual modo, danosa à construção de identidade individual e coletiva das mulheres. Por fim, a naturalização das  violências cometidas contra as mulheres estão vinculadas à questão de gênero, assim compreendido em sua dimensão imaginária e como conceito historicamente construído:


 “Na década de 70, Shapiro notou que sexo e gênero são dois conceitos úteis para fazer o contraste entre fatores biológicos e culturais. O uso meticuloso desses termos (...) requer que se empregue sexo somente para falar de diferenças biológicas entre homens e mulheres, e gênero, quando se faz referências às estruturas sociais, culturais ou psicológicas que se impõem a essas diferenças biológicas.” (Suárez, Machado&Bandeira;1999;278)


         Essa representação, que remete a valores sociais e culturais, e à conformação psicológica de gêneros, na opinião desses mesmos autores, contribui para a construção de estereótipos:


“Sabe-se que os homens são geralmente concebidos como pessoas ativas, agressivas e objetivas, ao passo que mulheres são pensadas como passivas, receptivas e emotivas, em razão de que a diferença de sexo fixa atributos distintos na pessoa. O estereótipo parece inocente. Entretanto, tem repercussões muito concretas na valoração diferenciada dos gêneros, na construção da identidade individual e grupal, no desempenho de mulheres e homens e, mais especificamente, nos riscos diferentes de adoecer, morrer, agredir e ser agredido, bem como no acesso aos meios, também diferenciados, de enfrentar esses riscos.” (id;279)


         Não se trata, neste estudo de aprofundar as desigualdades entre os gêneros, indo na contramão dos movimentos sociais femininos, ou exacerbando os debates, tomando a análise pelo ponto de vista restrito ou revanchista, uma vez que somos mulheres – todas as componentes do grupo de estudo.
         Trata-se de entender as desigualdades entre homens e mulheres, à luz dos códigos morais socialmente introjetados, e por vezes mais determinantes que os códigos legais, nas mediações das relações sociais, sobretudo nas relações familiares, em que se observam os preceitos de um “código de honra”, delimitando os papéis do homem, da mulher, da criança, do jovem, do idoso, na privacidade do lar, onde mesmo as violências domésticas tendem a ser preservadas, sob o entendimento de se resguardar o que está estabelecido entre os membros do grupo familiar, hierarquicamente constituído. Assim, debalde os códigos civis prevalecem, nessas relações, um tipo de direito reconhecido do agressor sobre a vítima:


“O ato de agressão corporal é definido por estar dirigido a uma pessoa com valor  determinado na rede relacional e que parece pretender a uma inversão ou reversão da posição hierárquica. Aqui, são dadas razões sociais que regem a violência interindividual. A violência é referida a valores positivos e negativos: bater numa mulher pode ser visto como valor masculino de  demonstrar que ‘não se recebe desaforos em casa’, que se tem ‘a honra a defender’, e que força física é garantia da ‘capacidade disciplinar masculina’; a ele se antepõe o valor negativo da covardia de se bater numa mulher, o direito da mulher a não ser agredida e o ideal moderno de uma família sem violência. É tão desonroso para a mulher ‘ser batida’ quanto ‘denunciar’.” (id.; 288)

 
         Com estas considerações preliminares, que evidenciam os conceitos, valores e códigos  morais como determinantes historicamente construídos,  buscamos entender porque A.R. encontra-se e mantém-se, há dez anos,  na situação relatada: sofrendo maus-tratos, calando-se e amando seu agressor.


2. Desenvolvimento:

         O caso que passaremos a relatar foi escolhido pelo grupo por conter elementos que nos permitirão uma reflexão acerca dos valores éticos e morais, fazendo a conexão necessária entre as dimensões objetivas, sociais e históricas, entre  as esferas da realidade e a realidade social, em sua totalidade. Um movimento que requer, das discentes, apreender teoria – prática como dimensões indissociáveis,  e o Serviço Social como um complexo, inscrito na totalidade dos complexos sociais.
          Como aporte teórico, nossas referências são os trabalhos de três autores: Vázquez, Chauí e Barroco, que possuem um traço comum: a problematização da moral e da ética. De forma complementar, utilizamos informações e reflexões contidas no trabalho de Suárez, Machado & Bandeira e na Plataforma Política Feminista, documento  construído, coletivamente, a partir da perspectiva feminina na  Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras. Da experiência, da prática cotidiana do Serviço Social, com a qual temos uma aproximação no campo de estágio, tomamos para análise o caso de A.R., tal como foi descrito pela estagiária Débora Brasil Viana Matta em seu Diário de Campo:

2.1. “O caso A.R.”

Atividade: PAISM – Reunião com o Grupo de Gestantes
Data/horário:  13/09/2005 – de 08:00 às 12:00h.
Local: Unidade de Saúde II –USS II – São José do Calçado-ES.

 “Cheguei à unidade de saúde, como de hábito, cerca de uma hora antes da reunião com o grupo de gestantes. Fiz os convites na sala de espera do  Serviço de Obstetrícia, estendendo a ação por toda a Unidade, onde estivesse uma gestante e acompanhantes.  Providenciei os documentos e materiais necessários (fichas de cadastro, cartilhas, panfletos, álbum seriado,etc.) e solicitei às  gestantes que já tinham sido atendidas pelo médico que me acompanhassem
         Notei a presença de uma gestante, aparentando mais de trinta anos e algum distúrbio de origem do sistema nervoso. Continuei cadastrando e observando-a. Quando chegou sua vez, estávamos quase a sós,  ela relatou, em tom de voz quase inaudível, que sofria maus-tratos do marido, há 10 anos. Tem 36 anos de idade, teve um filho há 11 anos, nascido com baixo-peso e que por este motivo reside, desde que nasceu, com seus tios, nesta cidade – ela mora com o esposo em Batatal, uma localidade que pertence ao município de Apiacá, mas cuja população parece melhor se integrar e, sobretudo,  buscar recursos médicos em  São José do Calçado. Informou que o marido não deseja esta segunda gravidez, que queria que ela fizesse um aborto, mas que  ela vai ter o filho e pretende criá-lo, em sua casa. Disse que pretende ligar as trompas, mas que tem medo de marcar este procedimento para depois do parto e não o realizarem. Retomou a questão da violência, disse que não larga o marido porque o ama. Chorou, discretamente.
         Ouvi mais do que falei. Observei a sua assinatura, quase ilegível, trêmula. Como não estou capacitada, por isso mesmo não autorizada a intervir, pensei em relatar o fato grave, ainda naquele dia, à Assistente Social para que ela orientasse a usuária e tomasse as providências necessárias. (O que  fiz, de fato. A A.S. pediu que eu marcasse com a gestante um atendimento cerca de 15 minutos antes da  próxima reunião .Assim procedi, e sem falar com a usuária o real motivo, temendo constrangê-la ou que ela não retornasse, aleguei que era para esclarecer as dúvidas que ainda tivesse sobre laqueadura de trompas. Esperava que ela retornasse e a sós com a A.S. falasse espontaneamente sobre o seu problema).
(...)  Ao final da reunião, a A.S. tinha agendado outro compromisso profissional, mas eu lhe falei rapidamente sobre a questão da usuária vítima de violência doméstica. Pediu  que eu marcasse com a esta um atendimento cerca de 15 minutos antes da  próxima reunião (no dia 20/09) .Assim procedi, e sem falar com a usuária o real motivo, temendo constrangê-la ou que ela não retornasse ,aleguei que era para esclarecer as dúvidas que ainda tivesse sobre laqueadura de trompas..
 (...) Reunião com Grupo de Gestantes em 23/09/2005 - A usuária, vítima de maus tratos,  ao final da reunião do grupo de gestantes, no dia 23 de setembro, pediu que eu a levasse até a A.S. Iniciou falando de suas dúvidas sobre a laqueadura de trompas, mas a encorajamos a falar sobre o seu maior problema. A A.S. disse a ela que pretende conversar com seu marido, que ela não deve ter medo, pois possui técnica para a abordagem. Mas também ressaltou a necessidade que tem a usuária de romper com esta relação de violência, de denunciar os maus tratos ao Ministério Público e outras medidas que garantam sua segurança. Sobre a laqueadura de trompas, a A.S. disse que se empenhará para que ela consiga realizar, após ter o bebê, e sendo, de fato, sua vontade. A A.S. considerou, nesse caso, como afirmou posteriormente, a falta de condições físicas, psíquicas e emocionais de A.R. de continuar a ter filho. Ficou agendada uma reunião da A.S. com o casal, para cuidar do caso.
(...) No dia 11/10/2005: Na sala de espera dos serviços de obstetrícia da US II, encontrei-me com A.R . Em conversa, de modo casual, aprofundei algumas questões, sobre o seu caso. Descobri que é órfã. Foi criada por tias, com quem está residindo temporariamente, até ter o bebê. Estas tias têm a guarda de seu filho de 11 anos.
         Seu marido, pai de seus filhos (o de 11 anos e o que espera), tem 30 anos, é trabalhador rural, reside em Batatal, localidades como já registramos, do município de Apiacá, nos limites do município de São José do Calçado. Neste período em que A.R. está com as tias (quatro meses), o marido não lhe tem  repassado nenhum dinheiro para manter-se, fato que ela  esconde da família, por vergonha. Ele parece estar punindo-a, desse modo, uma vez que não lhe pode agredir fisicamente. Quando estão a sós, segundo ela, ele a acusa de “não querer trabalhar na roça, só gostar de ficar à- toa na rua.”

2.2. A  análise do caso sob o ponto de vista histórico-social

          Nos movimentos sociais centrados na questão de gênero, observa-se a luta pela afirmação de dois princípios:  o da igualdade e o da diferença. Assim,  há grande mobilização das mulheres para a afirmação do princípio da igualdade, na luta pelo acesso equitativo aos espaços historicamente ocupados pela população masculina, ou seja, as áreas produtivas e da política, ou esferas de tomadas de decisão – que demandam poder. Ao mesmo tempo, ocorre forte mobilização pela afirmação do princípio das diferenças, que contraria o princípio da igualdade, posto que este considere a condição e os direitos humanos genericamente, mas sob a perspectiva de gênero humano. O princípio das diferenças trata de direitos específicos do gênero feminino, quais sejam: os direitos reprodutivos, os direitos à proteção contra a violência contra mulheres e o acesso a equipamentos sociais, como creches, abrigos, delegacias especializadas e outros (Suárez, Machado & Bandeira; 1999; 283).
        Um importante contraponto, no aspecto analítico, é o conceito do genérico em Barroco. Para a autora de Ética e Serviço Social – Fundamentos ontológicos, ao falar em ser social, desenvolve o conceito de singular ( o indivíduo) e genérico( o ser humano). Para Barroco, o ser social é uma síntese do singular e do genérico.
          Importante ressaltar que  a autora afirma  que não há uma condição humana, como dada, mas que o ser social, no processo de autoconstruir-se, pela atividade produtiva, reproduz-se a si mesmo como singularidade e genericidade e, nesse movimento, as mediações operam  de modo a afirmar e negar o que há nele de singular e genérico. Este movimento possibilita que as capacidades humanas – a sociabilidade, a universalidade, a consciência e a liberdade – se desenvolvam, contudo, não de modo extensivo, para  todos os homens, mas tão-somente para aqueles que as desenvolvem, conscientemente.
Quando trazemos esta reflexão para a situação específica da mulher, podemos problematizar um ponto importante: se não há uma ‘condição feminina’ socialmente dada, há que se crerem, observando os fatos históricos, que muitas são as mediações que operam, por um lado, para a limitação do desenvolvimento das mulheres, nas diversas sociedades, e ainda na contemporaneidade; por outro lado, outras mediações operam no sentido de emancipar as mulheres, garantir seus direitos genéricos  (humanos) e de gênero (sexual, cultural, social, éticos, morais).
         No Brasil, a história da luta das mulheres, pela constituição, defesa e garantia de seus direitos, remete aos primórdios da história do país, que por ser narrada sob o ponto de vista da cultura e do gênero dominante, nos fornece poucos dados. No entanto, há alguns marcos importantes – legislação política, social, trabalhista; carta de intenção, resoluções, acordos e convenções internacionais, entre outros- , frutos da luta das mulheres, no âmbito nacional e internacional,que julgamos oportuno relembrar e divulgar, posto que cada documento atende a postulados éticos, compreendidos em seu sentido de orientação para a sagração dos direitos individuais, sociais políticos, cuja efetivação configuraria a cidadania plena do coletivo feminino, ainda por ser alcançada:
1932- O voto feminino, após anos de luta, foi assegurado, através do Código Eleitoral Provisório (Dec.nº 21.076), de 24 de fevereiro de 1932. Este decreto era restritivo, prevendo o direito de voto apenas para as mulheres casadas, com a autorização dos maridos, e a solteiras e viúvas, desde que tivessem renda própria.
1934- A Assembléia Nacional Constituinte reafirmou o direito assegurado no Código Eleitoral, eliminando as restrições, mas tornando obrigatório o voto apenas para as mulheres que exercessem funções remuneradas em cargos públicos (art.109).
1945- Carta da ONU sobre o princípio de igualdade de direito entre homens e mulheres, após muitos anos de luta feminina.
1946 – A obrigatoriedade plena dos votos para todas as mulheres brasileiras só foi instituída com a Constituição de 1946.
 É criada, neste ano, a Comissão da Condição de Direito Jurídico e Social da Mulher, cujo objetivo é defender os direitos sociais, econômicos e jurídicos deste segmento.
1949 - Convênio internacional relativo à repressão do tráfico de pessoas e exploração da prostituição.
1951- A Organização Internacional do Trabalho (OIT) aprova um convênio pela remuneração igual por qualquer trabalho de igual valor.
1952 – A ONU, em convenção, aprova o direito político da mulher, incluindo o de votar e ser votada. No Brasil, desde 1932, ainda que com restrições, as mulheres haviam conquistado esse direito, mas ainda existem países, como o Afeganistão, que não reconhecem esse direito.
1957- Convenção sobre a Nacionalidade da Mulher - concede à mulher  casada o direito de mudar ou conservar a nacionalidade. Até 1962, existia no Brasil o Estatuto da Mulher Casada, contendo as obrigações que a mulher casada devia ter e as restrições: até esta data as mulheres não podiam trabalhar se não tivessem autorização formal dos maridos.
1960- A organização Internacional do Trabalho (OIT) aprova a convenção relativa à discriminação no trabalho em relação ao emprego e ocupação.
1962- Convenção da ONU aprova idade mínima para o casamento e o registro de matrimônio. Até então, o pai deveria consentir o matrimônio, decidindo se a filha podia casar ou não.
1967- Declaração sobre a eliminação  da discriminação contra a mulher.
1972- A ONU proclama o ano de 1975 como o Ano Internacional da Mulher, iniciando-se, nesta data, a década consagrada à mulher, também por iniciativa da ONU.
1975 - Primeira Conferência Internacional das Mulheres, onde as mulheres definem as suas necessidades, e as pautas para as próximas lutas pelos direitos de todas.
1979- Convenção sobre  a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW); assegurando que a violência pode ser combatida internacionalmente.
1980- Segunda Conferência Internacional da Mulher, na qual se faz uma avaliação dos primeiros cinco anos da década da mulher.
1981- Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) entra em vigor. O Brasil assina, mas somente assina.
1985- É criado o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher- UNIFEM-, a base material para investimentos, a partir de contribuição voluntária dos países membros da ONU, que possibilitou a edição da revista Maria, Maria e outros avanços importantes.
1985- É criado, no governo Sarney, pela Lei nº 7353, de 29/08/85, o Conselho Nacional de Direitos da Mulher.
1985- Final da década da mulher e aprovação das Estratégias de Aplicação Orientadas para o Desenvolvimento da Mulher.
1991- A ONU publica o documento “Mulheres no Mundo: tendências e estatísticas”. É a primeira vez que o debate se dá a partir de dados estatísticos sobre a situação da mulher no mundo. No Brasil, os dados estatísticos disponíveis geralmente  são nacionais, obtidos por estudos do IBGE e do IPEA.
1992- Conferência ECO-92, no Rio de Janeiro, reconhece a centralidade e a importância do papel das mulheres na conservação do meio ambiente, gerando o processo de organização das mulheres nos movimentos ambientalistas.
1994- Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, que ficou conhecida como Convenção de Belém do Pará, realizada no Brasil.
1995- Reunião da Cúpula Mundial sobre os Desenvolvimentos Sociais com a Declaração de Compromisso para alcançar a igualdade plena (o contingente feminino compreende 80% da população pobre no mundo).
1996- HABITAT-2: declara a igualdade da mulher no acesso ao crédito, à moradia, à terra.
1999- A ONU designa o Dia 25 de Novembro como “Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra a Mulher”; esta foi uma conquista das mulheres da América Latina.
2001- Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Social, a Xenofobia e as formas Conexas de Intolerância na África do Sul (participação fundamental das mulheres negras e indígenas).
2002- Realizada a Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras  em Brasília, nos dias 6 e 7 de junho de 2002, marcando as comemorações dos 70 anos do voto feminino.
2004- O governo Lula consagra 2004 como o Ano Nacional da Mulher.
2004- Criada, por meio de Medida Provisória, a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres  “estabelece políticas públicas que contribuem para a melhoria da vida de todas as brasileiras e que reafirmam o compromisso do Governo Federal com as mulheres do país”.
2004- Realização da I Conferência de Políticas para as Mulheres. Após realização  de Conferências  no âmbito municipal e estadual, em todo o país, ocorreu a Conferência Nacional, em Brasília. Tema: “Políticas para as Mulheres: um desafio para a igualdade numa perspectiva de gênero.” Proposta: Elaboração de diretrizes para os Planos Estaduais e para o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres.
2005- Aprovação do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, em março. 2005- Campanha Nacional pelo Direito à Aposentadoria das Donas de Casa.
2005- II Marcha das Mulheres à Brasília, em março, reunindo 400 mulheres de 8 Estados brasileiros. A ação foi centrada na campanha pelo Direito à Aposentadoria das Donas de Casa. Como resultado desta mobilização o Congresso aprovou, em julho,   e está em fase de regulamentação a Lei que consagra este direito para as donas de casa brasileiras, em regime especial, de contribuição e carência, priorizando aquelas com menor renda familiar per capta.
         Dois movimentos de promoção da saúde se firmaram, no Brasil, na década de 80: o movimento por formas especiais de atenção à saúde da mulher, que culminou no Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) definido pelo Ministério da saúde em 1983 e o Movimento de Reforma Sanitária, que resultou no SUS, em 1990. Em ambos os movimentos, houve grande mobilização das mulheres, desde a década de 70. Cabe destacar que A.R. está atualmente, inserida no PAISM, participando  ativamento do Grupo de Gestantes.
         Como vimos, no plano das intenções os direitos das mulheres estão em processo de expansão, em todo o mundo. Ocorre que a efetivação de grande parte  destes direitos  ainda constitui plataforma dos movimentos sociais femininos.

2.3. Análise do caso sob aspectos  socioeconômicos:

         Segundo Barroco (2204: 26), o trabalho é o pressuposto da existência humana e forma privilegiada de práxis. No entanto, a autora ressalta que não há a prioridade do trabalho sobre as demais dimensões da totalidade social, mas no que se refere a este sentido ontológico, constitutivo do ser social, devendo esta dimensão estar vinculada à totalidade,  e podendo desenvolver-se, segundo determinações, mais do que outras esferas.
         De um modo geral, o trabalho feminino, na sociedade moderna, é realizado obrigatoriamente em dupla jornada: o trabalho remunerado e os serviços caseiros.
         As políticas econômicas do Estado brasileiro acirram a pauperização crescente da população, afetando de forma mais perversa os segmentos em pior situação de  discriminação e vulnerabilidade. Em face do imperativo neoliberal, o desemprego cresce e atinge mais a população feminina. Além disso, há aumento da pobreza entre a população feminina, em relação ao contingente masculino. As mulheres, pauperizadas, tornam-se responsáveis pela chefia da casa, sendo as mulheres negras, atualmente, responsáveis pelo sustento de  cerca de 60% das famílias com rendimento mensal inferior a um salário mínimo, o que acarreta deterioração de sua qualidade de vida e de sua família. As mulheres totalizam, hoje, cerca de 60% da população pobre do mundo.
         As mulheres trabalhadoras rurais são duplamente discriminadas: por sua ‘condição’ de mulher e de trabalhadora rural. São duplas e até triplas as suas jornadas de trabalho, sem ter seu trabalho reconhecido em ambas às esferas. A maior parte destas mulheres, sequer possui a documentação mínima  (carteira de identidade, carteira de trabalho, CPF, certidão de nascimento). O produto de seu trabalho não é registrado no bloco de produtora, documento essencial para serem reconhecidas como trabalhadoras, e reivindicarem seus direitos trabalhistas, previdenciários, acesso a crédito rural e outros direitos assegurados pela Constituição brasileira.
         Os serviços domésticos, até recentemente, não eram reconhecidos como trabalho produtivo. Atualmente,  lhes são assegurados direitos previdenciários: a partir de uma contribuição mínima para a Previdência, as donas de casa tornam-se seguradas, tendo direito a aposentadoria,  e a usufruir dos benefícios previdenciários, como a maioria dos trabalhadores com vínculos formais.
         O marido de A.R. ao agredi-la verbalmente, supondo que ela prefere “ficar na rua à-toa, do que trabalhar na roça” considera sua força de trabalho para ajudá-lo nas tarefas braçais (o que de fato necessita, no sistema de economia rural familiar), contudo, não leva em conta o trabalho doméstico da mulher, como atividade necessária e importante. Será ingênuo supor que este homem possa compreender suas limitações físicas e emocionais e necessidades de  respeito, atenção e apoio, sobretudo na gravidez, uma vez que suas atitudes e palavras concorrem para reduzir a auto-estima de A.R., para que ela se considere inútil por não trabalhar e, por fim, para que se envergonhe de nem mesmo ser  economicamente mantida pelo marido?
          Nesta situação, as possibilidades humano-genéricas – sociabilidade, universalidade, liberdade e consciência - são, para A.R., apenas capacidades categóricas do ser social, que ela poderá almejar, ainda  que as intuindo como algo distante de suas reais possibilidade. De fato, haverá ainda muito para se efetivar de sua singularidade, de sua subjetividade, e, ainda mais, até que possa constituir-se e /ou perceber-se como ser humano-genérico. Como se poderia requerer, nessas condições, a emancipação de A.R.?
         Sob o ponto de vista de Barroco (2004:26)  a sociabilidade humana é fruto da cooperação entre os homens, no ato de produzir-se  e reproduzir-se biológica e socialmente. A consciência humana – como capacidade racional e valorativa se constitui no e pelo trabalho, pela necessidade de conhecer natureza e objetos:


“Por ser capaz de agir racionalmente, o homem pode conhecer a realidade, de modo a apreender sua própria existência como produto de sua práxis; a totalidade pode ser reproduzida e compreendida teoricamente [desse modo] o homem age teleologicamente (...). O seu trabalho e seu produto, a cultura, fundam a história, autoconstrução dos próprios homens, em sua relação com a natureza.”
 “Ao ser capaz de autodeterminar-se, o ser social evidencia sua vontade racional liberadora de sua autonomia; pode escolher entre alternativas por ele criadas, traçar o seu destino, superar limites, fazer escolhas, objetivando suas capacidades e deliberações (...) o produto objetivo da práxis personifica suas intenções e seus projetos. Esse é o núcleo gerador da liberdade e da ética.” (id; 27).


         As mediações, bem como o desenvolvimento social humano-genérico se dão na complexa realidade social, de forma diversa. As capacidades, como essências desse ser humano-genérico, devem ser apreendidas, de forma consciente, e desenvolvidas, como potencialidades. Para a autora, não existe a “condição humana”. Desse modo, há que se considerarem as circunstâncias em que vive A.R., pois, para além de uma “condição feminina” – conceito que expressa uma “falsa consciência”, existem as mediações que colocam em movimento as possibilidades, as quais, efetivadas, resultam em transformação. Não se trata aqui de querer conduzir o processo emancipatório de A.R., mas de apontar as possibilidades de mudanças que, de resto, são potencialidades de todos os seres sociais, a partir de uma práxis social, compreendida como atividade criativa, geradora da liberdade.
         Não é, contudo, um movimento simples, que depreende só da vontade humana, ou de  condições sociais, objetivas, ou, ainda, que dependa, para realizar-se, de um tipo de “ajuda”, ou “tutela”. Esse processo de autoconstruir-se, se dá, segundo Barroco, no cotidiano e, dialeticamente:


“O indivíduo social é, ao mesmo tempo, enquanto portador do ser social, um ser genérico e uma expressão singular. A (re) produção da totalidade social se faz de tal modo que o indivíduo se reproduza a si mesmo como singularidade e genericidade (...) esse processo é movido por mediações que operam tanto no sentido da afirmação das capacidades essenciais do ser social, quanto no de sua negação. Disso decorre a dinâmica da história, evidenciando um desenvolvimento desigual, extensiva e intensivamente, o que significa a firmar que as objetivações humano-genéricas não são apropriadas por todos os indivíduos, em toda a história e, em cada momento específico, nas diversas esferas.” (2004:32)


         Ao concluir este subitem, cabe ressaltar que, longe de submeter o marido de A.R. a um julgamento moral, muito embora seja lamentável e reprovável sua atitude agressiva, trata-se de refletir que também ele vive sob ‘ “falsa consciência”, que também ele não tem exercido atividade criadora e emancipadora. Detendo-nos um pouco mais na citação de Barroco, devemos considerar que  “as objetivações humano-genéricas não são apropriadas por todos os indivíduos”, ou, indo mais além, elas não podem ser totalmente apropriadas pelos indivíduos, em qualquer tempo histórico, em qualquer sociedade.

2.4. Análise do caso sob  aspectos físicos e psicossociais:

         Ao falar sobre o seu problema A.R. explicita sua angústia com lágrimas. Ao assinar  a folha de presença da reunião, sua letra denuncia as prováveis sequelas psicológicas dos maus-tratos físicos, e de outros aspectos revelados e não revelados de sua história de vida: é órfã, foi apartada de seu primeiro filho, sua gravidez não é desejada pelo marido; teme que ela a separe de seu segundo filho, teme retornar a casa, onde vive com o marido e sofrer novas agressões ao final da gravidez. Como já ressaltamos, não tem meios de se manter, e esses lhes tem sido negado pelo marido, fato que ela esconde das tias idosas, com quem voltou a residir, embora temporariamente.
         O trabalho, como atividade criativa, gera a linguagem e a cultura, como forma de interação entre os seres sociais. As atividades rotineiras de A.R. e o que ela produz – como dona-de-casa e lavradora, não são reconhecidas nem por ela mesma. O meio cultural em que  vive, tem traços fortes da sociedade patriarcal, que, em última análise, justifica por “códigos de honra” as agressões que sofre, como mulher, propriedade de um homem.
         Em que pesem todas as conquistas femininas, a violência contra as mulheres é uma prática, cujas taxas de incidência indicam uma  reprodução alarmante, na sociedade brasileira contemporânea. Segundo dados estatísticos, no Brasil, a cada quatro minutos, uma mulher é agredida em seu lar. Em pesquisa recentemente realizada, envolvendo 54 países, o Brasil deteve os maiores índices de violência doméstica contra as mulheres. Há indicativos de que mais de  23% das mulheres brasileiras são passíveis de sofrer este tipo de violência,  e que   “mais de 70% das agressões sofridas pelas mulheres são cometidas no interior da família, no espaço das quatro paredes do lar, por homens que mantinham algum tipo de vínculo com as agredidas.” (Suárez, Machado & Bandeira; 1999:294).
         Esses autores definem o que é violência doméstica contra as mulheres, como:


“Um vasto leque de condutas praticadas geralmente pelos homens no espaço familiar e definida como a que resulta em agressões corporais e verbais, danos psicológicos e físicos. Esta, no geral, vem associada à violência sexual, incluindo desde ameaças, coerção, cárcere privado, até o assédio sexual, e o sexo não consentido, isto é, o estupro.” (1999:294).


         O estupro conjugal em mulheres espancadas pelo marido também é uma prática, inclusive contra mulheres grávidas, embora não se possuam dados quantitativos, no caso brasileiro. Em nosso país, a prática do estupro pelo marido não é considerada nos aspectos legais e, há pouco mais de duas décadas foi “incorporada política e juridicamente  a categoria violência contra a mulher.” (id; 295).
         Toda a desconsideração e a falta de mecanismos para se punir os agressores  e de equipamentos sociais para garantir a integridade física e psíquica das mulheres, não impede que se reconheça a violência contra a mulher como um caso de saúde pública. A mulher agredida tem afetada a sua integridade física e moral, bem como apresenta sequelas psíquicas e emocionais. A agressão é fator de risco para a saúde da mulher. Saúde compreendida não como ausência de doenças, mas na integralidade das condições de vida dos indivíduos, o que inclui a sexualidade. As relações conjugais,  sob a prática das violências, transformam a mulher em objeto sexual, em vítima de estupro, do tipo consentido, uma vez que a mulher se submete, por razões diversas, e a sociedade, inclusive as esferas jurídicas desta se omitem.
         Contudo, debalde os esforços em coibir e as medidas legais coercitivas – ainda que não efetivadas -, o fenômeno da violência doméstica tende a se reproduzir, por gerações. E, ainda que tal não ocorra, as sequelas da violência doméstica atingem também os filhos das vítimas. A esse respeito, Grossi (1996: apud, Suárez, Machado Bandeira), afirma que:


“(...) o impacto da violência familiar na saúde da criança também é visível na área emocional, cognitiva e comportamental. Entre os sintomas mais apresentados por essas crianças estão: baixa auto-estima e senso de competência, insegurança, medo, ansiedade e sentimentos de culpa. Tais sentimentos estão relacionados à crença pessoal de que são responsáveis pela violência e pelo sofrimento da mãe. Acreditam que sendo bons filhos podem controlar a raiva do pai e as explosões de violência.”


         Há estudos que indicam que a violência doméstica é mais letal que as consequências de todos os tipos de câncer, sendo pouco menores do que os efeitos das doenças cardiovasculares. A violência sexual, segundo diversas pesquisas, é responsável por grande número de suicídios nos países desenvolvidos, ocorrendo ainda os homicídios, cometidos por parceiros e companheiros íntimos das vítimas. Sobre as consequências que não resultam em morte ou incapacitação física, há incidências nas mulheres agredidas de distúrbios diversos, permanecendo por muitos anos, com manifestações de desequilíbrios variados. Mesmo sendo interrompidas as agressões, as sequelas mais brandas ainda permanecem por cerca de 4 anos ( o abuso emocional e psicológico também são considerados como formas de violência e, muitas mulheres que passaram por essa experiência as consideram igual ou pior do que a violência física (Suárez, Machado &Bandeira;1999:passim).
         Aos 36 anos, A.R. é mãe de um filho (criança de 11 anos, que nasceu com baixo peso e está sendo criado e educado pelas tias idosas), e está grávida do segundo filho, contra a vontade do marido que desejou que ela abortasse o bebê. É paciente psiquiátrica, usuária do Centro de Atenção Psicossocial - CAPS, do SUS, onde tem acompanhamento de um médico psiquiatra, recebendo medicação controlada. No CAPS, quando frequenta, participa de atividades psicoterapêuticas.
         Está fazendo o pré-natal e participando do Grupo de Gestantes na USII, também pelo SUS. É nesse espaço que expressou o desejo e a necessidade de se submeter à laqueadura tubária, entendendo o procedimento como um recurso de contracepção.
         A linguagem corporal – as mãos trêmulas, o olhar ausente – expressam e refletem os anos de sofrimento, e os dilemas em que se debate: queixa-se de sua situação, dos maus tratos, chora e, ao mesmo tempo, afirma o seu amor pelo marido
         Sendo a linguagem e a cultura produtos do trabalho, implica considerar que as atividades que A.R. desenvolvem, no cotidiano, favorecem o “estranhamento”: do que produz objetivamente em suas atividades laborais e cotidianas e  de si mesma. A ausência de uma atividade criativa, ou a incapacidade de compreender as potencialidades de suas atividades domésticas e produtivas como potencialmente capazes de se efetivarem em atividades criativas e emancipatórias, restringem sua autonomia, sua visão de mundo, interferindo na possibilidade de transformar sua realidade, de subverter valores sociais construídos a partir da cultura hegemônica, tendo sido por ela assimilados, internalizados como valores verdadeiros.
         Isso pode  significar, em última analise que embora, de forma inconsciente, consente e contribui para manter-se nas condições descritas?

2.5. A análise do caso sob o ponto de vista ético-moral:

         Iniciamos este subitem, desejando responder a uma indagação: o que leva uma pessoa, no caso, uma mulher, A.R., a conviver com a violência durante dez anos, permanecendo amando quem a violenta?
         Entendemos que há múltiplas razões, objetivações e  subjetivações a serem consideradas. Concordamos, em parte, com a resposta de Suárez, Machado& Bandeira, para os quais


“A explicação mais plausível encontra-se na formação de valores e hábitos durante o processo de socialização. As pesquisas mostram que as vítimas de violência  estabeleceram, desde as primeiras relações de socialização, algum mecanismo de identificação com agressores. Exemplificando, os filhos que presenciam agressões constantes do pai em relação à mãe ou a outros desde  sua infância acabam incorporando na escolha de seus valores a violência como parte das práticas sociais regulares e, desse modo,  a violência se normatiza e acaba virando regra.” (1999:297).


         Concordamos parcialmente com a afirmação, pois não nos parece ser esta a única possível, ou a melhor. (Conforme já afirmamos, há condições objetivas claras: A.R. encontra-se em situação de total dependência material do marido, atualmente das tias). E também, há a questão subjetiva, que envolve afeto: ela declara que ama o marido. E busca compreender seus atos, perdoando-o. Moralmente falando, há que se considerar esta capacidade de perdoar, pois parece estar vinculada a um código moral relacionado à cultura, à própria religião, introjetado na formação de A.R. Ou seja, mais um aspecto de sua subjetividade, conformado no seu processo de socialização, que, para nós inicia-se, ou melhor, remete-se a período que antecede nascimento, pelas “vias culturais” do meio social.
         O que nos parece importante destacar, por ora, é o aspecto ético da questão, sob a ótica de Barroco, para quem o ser social tem uma capacidade ética, que se reflete na sua capacidade de deliberar, de criar, de optar e outras capacidades que configuram o humano-genérico, como o respeito à alteridade, às diferenças. Mas esta mesma autora fala sobre o aspecto regulatório da moral, de uma moral instrumental, vinculada à sociabilidade, à convivência social, sobretudo pela assimilação de hábitos e internalização de valores. Cria-se um senso moral, como medida da socialização dos indivíduos, evidenciando sua ação integradora. Esse ‘padrão’ moral está inserido, ou colocado, no cotidiano, onde é assimilado pela repetição, sem reflexão, podendo subjugar a singularidade dos indivíduos à alienação, não contribuindo para a constituição do humano-genérico. Um ‘senso moral’ que influencia a subjetividade, de modo inconsciente, porque não submetido à crítica. E ainda há a função ideológica da moral, em que “as escolhas’ dos indivíduos são “direcionadas por determinantes coercitivos”, voltados á dominação, portanto não propiciadores da emancipação. Essa função ídeo-política da moral e dos valores, favorece a alienação. (2004:44-45)
         Tão longa e oportuna reflexão nos fornece indicativos de que os valores introjetados na subjetividade de A.R. advêm de sua socialização, pela repetição, de forma acrítica. Até mesmo os preconceitos que sofre, podem lhe parecer “naturais”, dada sua “condição feminina”.
          De igual modo, todos os valores, em que se incluem os preconceitos de toda  ordem foi internalizada pelo marido de A.R. Por isso mesmo, de antemão, nos propusemos a não fazer o julgamento moral deste homem, a quem sequer ouvimos. Parece-nos que uma iniciativa, nesse sentido, sob estas circunstâncias, em nada contribuiria, em termos éticos e objetivos, para a transformação dessa relação, que, de resto, é uma relação de poder, historicamente construída (a relação homem-mulher).
         Em face do estudo que realizamos, identificamos as possibilidades as quais devem ser efetivadas, por A.R., para que atinja sua emancipação. Contudo, guiadas por princípios éticos, inclusive aqueles que orientam o exercício profissional dos assistentes sociais, não nos parece  eticamente correto  tutelar a vontade, os valores e as decisões de A.R. Nesse sentido, pode-se contribuir para sua emancipação no processo de efetivação das ações socioeducativas desenvolvidas no PAISM,  pois entendemos que, ao perceber-se em sua singularidade como capaz de constituir-se em ser humano-genérico – entendido como ser social em que se efetivam todas as capacidades, no processo de autodeterminar-se -, nesse mesmo movimento , poderá constituir-se em sujeito  ético (aspecto indissociável do ser humano-genérico).


3. Conclusão

         A análise que temos feito sobre o caso, evidenciando seus múltiplos aspectos,  demonstra que o processo reflexivo, portanto, consciente, é dinâmico, pois percebe os movimentos e os processos que se operam na realidade. Por isso, antes que situemos A.R. aprisionada a uma “condição”, devemos observar que ela começa a falar sobre sua situação, demonstrando que tem refletido que busca soluções,  parecendo mesmo solicitar o apoio, ainda que de modo inconsciente, da assistente social e da estagiária do Serviço Social. Não podemos considerar como meros desabafos o que tem expressado, por meio de palavras, gestos, atitudes.
         Neste sentido é que podemos pensar nas capacidades como potencialidades a serem desenvolvidas e efetivadas. Em primeiro lugar, se a moral em sua função ídeo-política favorece a alienação, há a possibilidade de que, por meio da crítica, A.R. (e qualquer ser social, conscientemente) venha  a negar essa moral construída, reivindicando níveis de emancipação, tanto quanto seja o grau de desenvolvimento da autoconsciência.
         Contudo, A.R. (bem como os demais seres sociais) não conhecerá da realidade a totalidade, não se realizará em todos os aspectos, pois, segundo Marx, dadas as mediações e as determinações, nenhum ser  social desenvolve todas as capacidades plenamente, podendo umas serem mais desenvolvidas do que as outras, num mesmo indivíduo; e ,outras, desenvolverem-se de modo diverso em dados indivíduos, em dadas sociedades. No entanto, considerando que, se não há uma “condição humana”, mas uma essência humana, esta é que é, então, uma capacidade universal. E esta, não está dividida em gênero, etnia, condições socioeconômicas. E não considera o ser humano-genérico em fragmentos, mas em sua unilateralidade.
         Ao associarmos a um “código de honra” o fato de A.R. submeter-se, por anos, em silêncio, à violência do marido, demonstra que procuramos localizá-la “refém” não só de seu afeto pelo marido, ou  de sua dependência material, mas  de um padrão moral que remete historicamente ao sistema patriarcal, que se instalou no processo de colonização do Brasil e vem se reproduzindo até os dias atuais. Essa ideologia patriarcal é que ainda pretende justificar as desigualdades de “gênero”, a submissão da mulher, a violação dos direitos femininos e a lentidão das transformações sociais com vista a superação de todas as  desigualdades – sobretudo as desigualdades de classes, pois o discurso que prioriza a luta de “gênero’ é despolitizaste, por não considerar a necessidade de transformações nas relações sociais, pela superação da divisão de classes sociais . A própria tem refletido, que busca solução falar sobre o e se operam na realidade.
          Ao não se realizarem, efetivamente, todas as ações e os compromissos pactuados em prol da igualdade entre os sexos, acirra-se a luta entre indivíduos de “gênero diferente”, sem que se efetivem políticas que coíbam a violência cometida contra as mulheres. Antes, de concluirmos, devemos destacar que também os homens têm sido vítimas, em menor incidência, de violência doméstica; e também para estes falta uma estrutura mais ampla de proteção social.
         No processo de socialização, na sociedade capitalista, podemos ver as construções de valor e os princípios de  um “código de honra” permeando as relações socais e marcando as desigualdades entre “gêneros” – esta categoria, mesma, construída. A cultura que construiu as diferenças é a mesma que  não dá conta da questão da violência  doméstica, e dos direitos dos indivíduos, sobretudo das mulheres, historicamente o lado mais “frágil” das relações sociais- seja na esfera do privado, seja na esfera pública. Haja vista, como já ressaltamos o lento processo de conquistas femininas no âmbito  dos direitos individuais, políticos e sociais. Direitos estes, em sua maioria, ainda por serem efetivados.
         Não sendo o trabalho a única esfera da totalidade social, mas sendo o determinante da ontologia do ser social,  podemos concluir que o trabalho feminino é a tal ponto desvalorizado - seja o doméstico, ou no “sistema produtivo” – que, ao mesmo tempo, reflete e reproduz a cultura das desigualdades, do machismo, reforçada nas instituições, em que se inserem a família, a escola e a igreja. Não retomaremos aqui dados extraídos das mais recentes estatísticas sobre a exclusão feminina, mas podemos afirmar que as questões da desigualdade, da pobreza e da exclusão feminina se agravam, tanto mais se consolidam os ideais neoliberais.
         O que nos propomos é ressaltar que ao se negar às mulheres, ou se lhes opor resistência  ao desenvolvimento de atividades produtivas e criativas , para além da questão dos valores morais, há que se considerar que está sendo violado o princípio primeiro, objetivo,que é o da reprodução da vida. Ademais,  a exclusão do sistema produtivo, bem como a exploração da força de trabalho feminina é uma forma de cerceamento da liberdade, se pensarmos esta capacidade como produto da práxis, que essencialmente, nega a exploração, a alienação, a segregação. A liberdade entendida  como direito essencial, sem a qual os demais direitos não se efetivam sem a qual, poderíamos dizer as mulheres não se reconhecem como um coletivo, mas como um aglomerado de seres genéricos, segregadas sob a valoração, demeritória, de “gênero” feminino.
         Detendo-nos limites do tema que propusemos abordar: as circunstâncias de vida de A.R. sob o aspecto ético- moral,  nos parece correto afirmar que, para superar a suposta “condição feminina”, e negá-la, é preciso conhecer, para criticar  e superar, a própria moral burguesa, funcional à cultura dominante (machista). Todavia, é  preciso visar a uma superação que não se configure em revanchismo “de gênero’, mas no resgate da essência humana, onde estão as possibilidades universalizantes, igualitárias, emancipatórias de realização do ser humano-genérico, seja  homem ou mulher.
         Por isso, ao se propor uma transformação societária a partir de uma base ética, esta deve ser entendida “como mediação entre a singularidade e a genericidade e entre os valores universais e sua objetivação”, e deve ser considerada em seus aspectos mais amplos de efetivação, na realidade social, como para Barroco, para quem a ética  não se restringe aos aspectos da moral, mas objetiva-se através da práxis política, com vistas à sociabilidade “orientada para um projeto coletivo, voltado à liberdade e universalidade dos valores éticos essenciais – por exemplo- responsabilidade, compromisso, alteridade, reciprocidade, equidade.” Para tanto é preciso que se avance na discussão da questão de “gênero”, que como vimos, é uma construção, uma representação, que visa tão-só à manutenção da ideologia dominante, à reprodução das relações de poder, ao acirramento das desigualdades e da violência.
         Dada a importância deste exercício para a compreensão do compromisso ético-político dos assistentes sociais, devemos nos voltar à leitura dos princípios  do Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais, em que se afirmam ações voltadas à garantia dos direitos das classes trabalhadoras, numa perspectiva de superação de todas as formas de preconceito e eliminação das desigualdades, com vista à emancipação humana – sendo esta o valor central.     Assim, poderíamos entender o projeto ético-político como um projeto coletivo, com vistas à transformações societárias, considerando as bases materiais, culturais e espirituais. Nesse sentido, entendemos que antes da superação de classes, e mesmo  para que tal ocorra, há que se  superar os valores construídos  para o acirramento da luta de sexos, de etnias, como empecilhos á construção de uma hegemonia, ou contra-hegemonia, no sentido gramsciano. Nessa perspectiva, pode-se, a exemplo de Barroco, ampliar o conceito de ética, como capacidade e,como valor e como orientação para a práxis política.
Finalmente, em relação à A.R.,  não é muito que se pode fazer, no âmbito das políticas públicas- sob o Estado neoliberal- para que possa a vir  superar a situação em que tem vivido. Faltam, sobretudo, políticas voltadas ao trabalho, quando consideramos a importância objetiva desta categoria, cuja centralidade, em face do desemprego estrutural, tem sido questionada, mesmo no âmbito do marxismo. Mas, ao considerarmos nossos compromissos humanitários e profissionais com A.R. e com mulheres em idêntica situação, é necessário, em primeiro lugar, que não  postulemos sua tutela, mas que possamos participar e contribuir para  um processo de emancipação que venha ela a requisitar, conscientemente.
Pois, em que pesem as determinações, são múltiplas as mediações, potencialidades e/ou capacidades, que podem estar evidenciadas, além do que já observamos – através de sua fala e atitudes, pela determinação com que levou a termo sua gestação: aos primeiros dias do mês de novembro A.R. deu à luz  a uma menina  - E,  inicial  mesma de Esperança, adjetivo feminino  que  representa a possibilidade de um novo, um transformado   vir- a- ser.


4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

NIETZSCHE, Friedrich. Sobre  verdade e mentira no sentido extra-moral. In: Obras Incompletas; Col. Os Pensadores. Nova Cultural: SP; 1996; 53-60.

ANAIS, Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras. Plataforma Política Feminista. Brasília; 2002.

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1995; 334-339.

SUAREZ, Machado & Bandeira. Violência, Sexualidade e Saúde Reprodutiva. In: Saúde Sexual e       reprodutiva no Brasil – Dilemas e Desafios. HUCITEC: São Paulo; 1999:277-309.

VÁSQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. 19 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999; 15-60.


Texto Revisto e Atualizado em 14/07/2011
GRUPO 03 – POLO BOM JESUS DO NORTE-ES

CURSO DE FORMAÇÃO EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE GÊNERO E RAÇA – GPP/GER.
TEXTO PARA EDIÇÃO NO BLOG “SE TODOS FOSSEM IGUAIS”



Foram 108 anos passados desde a primeira lei que assegurava o direito de votar e ser votado  aos homens. Em 1946, o Serviço Social brasileiro entrava em sua segunda fase – expandia a profissão, já regulamentada, sob as expensas do Estado desenvolvimentista, e orientação profissional de base estrutural-funcionalista.
No Brasil, a diferença salarial permanece e é muito grande: as mulheres brancas ganham 60% a menos que os homens, e as mulheres negras 36% a menos que as mulheres negras.
“É inegável que a implantação dos Programas de Atenção à Saúde da Mulher (PAISM) na rede de serviços públicos no Brasil significou um grande avanço no que se refere aos direitos voltados à assistência a saúde da mulher.
O PAISM é um programa implantado pelo Ministério da Saúde e contempla as atividades de assistência ao pré-natal, parto e pós-parto, com incentivo ao aleitamento materno, assistência ao planejamento familiar, assistência clínico-ginecológica, assistência ao climatério, prevenção e atenção aos casos de DST/AIDS, vigilância da mortalidade materna, prevenção e detecção do câncer ginecológico e de mama.
Infelizmente o que temos observado é que a proposta do PAISM de prestar um atendimento integral, especializado e humanizado nos aspectos físico, emocional e social não tem sido cumprida, pois tais programas encontram-se desarticulados: Não há ainda uma estatística oficial sobre a eficácia e cobertura do programa a nível nacional. Em alguns municípios do País o programa, seguindo as premissas do Ministério da Saúde, ainda nem foi implantado. Outro fator que impede o exercício da cidadania da população feminina refere-se ao acesso das mulheres ao programa, que é dificultado devido à falta de informação das mesmas sobre sua existência, e, também devido as intermináveis burocracias do serviço publico, reflexo do descaso por parte do governo em priorizar as atividades de prevenção à saúde, já que a medicina curativa é mais rentável.
Como então fazer com que o dispositivo constitucional, através de seu artigo 196, que assegura ser a “saúde direito de todos e dever do Estado” seja cumprido? Como compatibilizar cidadania com a ausência de políticas sociais igualitárias e compensatórias? Como ser cidadã, de fato, em um quadro de privatização do Estado, de deteriorização dos serviços públicos, principalmente na área de saúde? “(Pacheco, 2000, 10)

“Entende-se por trabalho doméstico o rol de atividades realizadas no âmbito da moradia, referentes à manutenção do espaço físico e ao bem-estar de seus habitantes, podendo o mesmo ser desenvolvido profissionalmente [empregadas domésticas] ou não”. (ANAIS, Conferência Nacional das Mulheres; 2002:41).
A vida cotidiana, que segundo Lukács é insuprimível, e para Barroco, voltada à singularidade, ao imediatismo, mas com reais possibilidades de promover o desenvolvimento do ser social humano-genérico, por meio da superação do que é rotineiro alienante e alienador, ou seja, por meio da práxis.
O Centro de Atenção Psicossocial é um programa de assistência à saúde mental, constituído de uma rede de unidades de saúde que reúnem pacientes de uma região, assistidos por  equipe transdisciplinar e que envolve serviços de psiquiatria, psicoterapia, enfermagem e outros – , oferecendo cuidados intermediários entre o regime ambulatorial e a internação hospitalar. Foi implementado a partir da Lei Nº 10.126 de 6 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais. Lei que foi criada para reverter o quadro da história da psiquiatria brasileira, marcada por toda sorte de violação de direitos, maus tratos e descaso. A luta pela mudança do paradigma de atendimento, calcado na centralização de atendimentos pelo hospital psiquiátrico
Para José Paulo Netto, há uma tendência, entre diversos autores marxista, a enfatizar as possibilidades, como categorias, a tal ponto, que redunda no “possibilismo”, ou seja, não se considera  que as possibilidades, para operarem transformações, devem ser efetivadas- não há nada de concreto nas possibilidades, é preciso realizá-las.
Este Código de Ética Profissional /1993 expressa “como valor ético central  e das demandas políticas a ele inerentes- autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais”. (CRESS-7ª R. Coletânea de |Leis e Resolução. 4ed. Rio de Janeiro: Cortez, 2007, p.16)
"O indivíduo pode superar a sua singularidade através da moral, mas quando isso o ocorre se eleva à condição de sujeito ético, na compreensão de Lukács, como particularidade objetivadora do gênero humano para si (...). Para Lukács é a distinção entre o gênero humano em si e o gênero humano para si que expressa a diferença entre as ações que visam afirmar ou negar a ordem social dominante. As ações que se dirigem ao gênero humano em si são próprias das necessidades de autoconservação e legitimação do status quo, enquanto as dirigidas ao gênero humano 'para si' 'são objetivações superiores nas quais se efetiva a aspiração à autodeterminação do gênero humano (...) A partir de Lukács, consideramos que, quando o indivíduo , através da moral, eleva-se ao humano- genérico   e coloca-se como representante do gênero humano para si, então ele está agindo como sujeito, como particularidade, como individualidade livre." (2004:63-64)