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quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Dia da Consciência Negra - 20 de Novembro

Dilma diz que ‘pobreza no Brasil tem face negra e feminina’

Brasília – A presidenta Dilma Rousseff disse no sábado 19 que “a pobreza no Brasil tem face negra e feminina”. Daí a necessidade de reforçar as políticas públicas de inclusão e as ações de saúde da mulher, destacou, ao encerrar, em Salvador, o Encontro Ibero-Americano de Alto Nível, em comemoração ao Ano Internacional dos Afrodescendentes.
  
Líderes da América Latina, Caribe e África discutem medidas para superar desigualdade racial.
Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

          Em discurso, ela explicou por que as políticas de transferência de renda têm foco nas mulheres, e não nos homens: elas “são incapazes de receber os rendimentos e gastar no bar da esquina”. Dilma destacou que, nos últimos anos, inverteu-se uma situação que perdurava no país, quando negros, índios e pobres corriam atrás do Estado em busca de assistência. Agora, o Estado é que vai em busca dessas populações, declarou.
          Ao defender a necessidade de ações de combate à pobreza, a presidenta citou o Programa Brasil sem Miséria, cujo objetivo é retirar 16 milhões de pessoas da pobreza extrema. No discurso, ela destacou ainda a criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), em 2003, e a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, no ano passado, além da obrigatoriedade do ensino da história afrobrasileira nas escolas.
          Dilma apontou também o fato de a data do evento coincidir  com a da morte do líder negro Zumbi dos Palmares, com o Dia Nacional da Consciência Negra, a ser comemorado amanhã (20), e com os 123 anos do fim institucional da escravidão no país.
          Nestes 123 anos, disse a presidenta, “sofremos as consequências dramáticas da escravidão” e foi preciso combater uma delas, a sistemática desvalorização do trabalho escravo, que resultou na desvalorização de qualquer tipo de trabalho no país. A característica mais marcante da herança da escravidão foi a invisibilidade dos mais pobres, enfrentada nos últimos anos a partir da certeza de que o crescimento do país só seria possível com distribuição de renda e inclusão social, acrescentou Dilma.
          Para a presidenta, existe, no entanto, uma “boa herança” da escravidão, que é o fato de milhões e milhões de negros terem construído ao longo dos anos a nacionalidade brasileira, junto com as populações indígenas, europeias e asiáticas. Segundo Dilma, essa “biodiversidade” cultural é uma das maiores riquezas do país, uma grande contribuição para o mundo, especialmente quando ressurgem em várias países preconceitos contra imigrantes.
          Ela ressaltou que, embora o Brasil tenha a segunda maior população negra do mundo, atrás apenas da Nigéria, a discriminação persiste: os afrodescendentes são os que mais sofrem com a pobreza e o desemprego.
          No discurso, além de lembrar o papel central do Continente Africano na política externa brasileira, Dilma enfatizou o fato de a América do Sul ser um dos continentes que mais crescem, apesar da crise financeira que começou em 2008. De acordo com a presidenta, a adoção de políticas desenvolvimento do mercado interno pelos países sul-americanos tem sido uma barreira contra os efeitos da crise.

Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/dilma-diz-que-pobreza-no-brasil-tem-face-negra-e-feminina/
Acesso em: 24 de novembro de 2011.
DECLARAÇÃO DOS DIÁLOGOS CONTRA O RACISMO EM DEFESA DAS POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA.


Encontram-se para análise e deliberação no Supremo Tribunal Federal (STF) duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade relacionadas ao tema da reserva de vagas em instituições do ensino superior para estudantes negros e indígenas, as chamadas cotas. Trata-se de um debate necessário, no qual a sociedade brasileira espera que o STF tenha o discernimento necessário para reafirmar escolhas históricas que o Brasil começou e precisa continuar a fazer.
A política de cotas raciais no acesso ao ensino superior tem sido objeto de intenso debate pela sociedade brasileira pelo menos desde meados dos anos 90. As organizações do movimento negro colocaram este tema em pauta, reivindicando dos governos ações específicas para garantir direitos a esta parcela da população que continua sendo maioria entre os setores mais excluídos da sociedade, seja em termos de renda, educação ou saúde.
Quando algumas destas medidas começaram a ser implantadas, imediatamente houve reações contrárias a estas políticas, afirmando-se que tais ações se opõem à “tradição brasileira” que seria baseada na mestiçagem e na ausência de conflitos raciais explícitos.
Consideramos surpreendente esta leitura da sociedade brasileira, pois o que não nos falta são numerosos exemplos ao longo de séculos de história de sistemáticas violações de direitos da população negra. Mesmo após a abolição, sua trajetória foi marcada pelo trabalho escravo, péssimas condições de trabalho, ausência de qualquer tipo de assistência por parte do Estado brasileiro e persistente racismo. Sua aparência foi e ainda é associada com menor competência, displicência ou incapacidade.
Como então falar de uma “tradição brasileira que não dá amparo a leis e políticas raciais”? Como, se a nação brasileira foi construída tendo como base o trabalho escravo, baseado numa distinção racial?
Neste debate, é muito comum a invocação da experiência norte-americana para buscar desqualificar e relativizar o efeito das políticas de ação afirmativa. Por um lado, costuma-se afirmar que a experiência histórica dos EUA é muito distinta do Brasil e que não é possível importar soluções de políticas específicas para a população negra que tenham sido implantadas lá. Mais recentemente, tem-se também usado o argumento de que as cotas para negros nos EUA não contribuíram em nada para reduzir desigualdades.
Esta é, a nosso ver, uma afirmação equivocada e generalizante, pois inúmeras pesquisas demonstram que houve redução da desigualdade entre negros e brancos nos Estados Unidos após a implantação da Lei dos Direitos Civis de 1964 e das políticas de ação afirmativa, principalmente no acesso à educação e ao mercado de trabalho. Apenas como exemplo citamos aqui a pesquisa que acompanhou ao longo de mais de 20 anos a trajetória acadêmica de estudantes negros em um grupo de universidades de grande prestígio nos EUA, cujos resultados encontram-se no livro “O Curso do Rio: um estudo sobre ação afirmativa no acesso à universidade”, de William Bowen e Derek Bok (Ed. Garamond/ CEAB/UCAM, 2003). Também cabe citar os trabalhos de James Heckamn e Brook Payner e de James Smith e Finis Welch, ambos de 1989, publicados em revistas acadêmicas norte-americanas, que demonstram os avanços expressivos na redução da pobreza entre os negros norte-americanos entre os anos 1960 e 1990, resultantes, entre outros fatores, das políticas de dessegregação no mercado de trabalho promovidas pelo governo, começando pelo serviço público.
As cotas no acesso ao ensino superior começaram a ser implantadas no Brasil a partir de 2001, tendo a UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) como a primeira universidade a implantar este sistema no seu exame vestibular. Desde então dezenas de outras universidades públicas e privadas alteraram seus exames seletivos para incorporar os critérios raciais – na maioria dos casos combinados com critérios de renda – no acesso à universidade, permitindo incorporar efetivamente um maior número de estudantes negros ao ensino superior.
Em 2004 foi a vez de o governo federal dar início a um grande programa de inclusão de estudantes negros ao ensino superior, através da criação do PROUNI (Programa Universidade para Todos), que concede bolsas de estudo a alunos negros, indígenas e de menor renda – entre outros grupos – que ingressem em instituições de ensino superior privadas. Em que pesem as análises críticas e as polêmicas relacionadas ao fato de que as instituições privadas em geral oferecerem um ensino de menor qualidade do que as universidades públicas – as quais estes estudantes na sua maioria não têm acesso – o PROUNI representa de fato uma inclusão numérica significativa de estudantes que há algum tempo atrás talvez nem considerassem a possibilidade de ingressar no ensino superior.
Levando em conta esta variedade de iniciativas de inclusão no ensino superior já existentes no país, já é possível falar de um programa de ação afirmativa que tem “cara brasileira”, criando seus próprios caminhos e se aperfeiçoando na medida em que é implantado. E que, acima de tudo, apresenta resultados, reduzindo as desigualdades no acesso ao ensino superior.
É o bastante? Não, está longe de ser. Todos nós sabemos, por teoria ou prática, que a dificuldade dos estudantes negros ingressarem no ensino superior, principalmente nas universidades públicas, é resultado de um acúmulo de desvantagens que estes indivíduos tiveram ao longo de sua trajetória de vida e principalmente educacional. A maioria nasceu em famílias cujos pais tiveram pouca chance de estudar, estudaram em escolas de má qualidade, com professores mal preparados e poucos recursos didáticos e tecnológicos, entre outros fatores. Diariamente lemos nos jornais que este é o principal dilema que o Brasil precisa enfrentar hoje, sob o risco de não conseguir alcançar o desenvolvimento social e econômico esperado que garanta os direitos de todos os brasileiros. Não se trata de uma tarefa de poucos anos ou de um único governo.
Entretanto, advogamos que a reserva de vagas no acesso ao ensino superior é parte desta estratégia de melhoria da educação, e consiste numa maneira concreta de incorporar um número significativo de estudantes que, apesar de todas as dificuldades do caminho, conseguiram concluir o ensino médio e hoje “forçam as portas” das universidades. Estes milhões de estudantes – muitos inclusive já fora da idade prevista inicialmente como de ingresso no ensino superior – não querem nem podem esperar pela total reestruturação do ensino básico no Brasil. Eles querem, podem e devem ter meios para ingressar logo no ensino superior, desde que se mostrem aptos a cursá-lo.
Não se trata, portanto, de “privilégios”, categoria tão cara à elite brasileira e utilizada às vezes de forma tão injusta. Ninguém tem dúvida, independente de ser pobre ou rico, da hierarquia de privilégios existente no Brasil, que trata de rapidamente encaixar os indivíduos no seu lugar social, em função da sua origem familiar, do seu local de moradia, sua renda, da escola que estudou, da sua rede de contatos, do seu lugar no mercado de trabalho. Sabemos que os privilégios operam algumas vezes de forma sutil e disfarçada e, em muitas outras, de maneira bastante explícita. Em se tratando de ingresso na universidade, sabemos que é um privilégio poder se preparar por um ano ou mais para o vestibular, pagando cerca de mil reais mensais num cursinho para no final do ano “competir” com estudantes de uma escola pública que muitas vezes não teve um professor de Física ou Biologia ao longo de todo o ano, dividem um pequeno espaço com outros familiares; convivem com a falta do mínimo para a sobrevivência e que muitas vezes precisam ingressam no mercado de trabalho ainda crianças. Por fim, sabemos que a imensa maioria dos que podem pagar o cursinho são brancos. E que são os negros em sua maioria que freqüentam as escolas públicas em geral sucateadas.
Finalmente esta reflexão nos leva ao tema da persistência do racismo na sociedade brasileira e da suposta “racialização” que as políticas de ação afirmativa e em particular as cotas raciais estariam promovendo. Alguns dos críticos destas medidas afirmaram que “existe preconceito racial no Brasil, mas o Brasil não é uma nação racista”. É, pode ser. Mas não deixa de nos intrigar qual é a operação lógica possível que leva um país a não ser racista, embora tenha preconceito racial. Ou, inversamente, como as pesquisas de opinião costumam demonstrar, que seja um país racista sem racistas.
Ora, se levarmos a sério as conseqüências destruidoras do racismo na sociedade brasileira, tanto em termos individuais quanto coletivos, veremos que são muitos os efeitos cotidianos e estruturais destas atitudes e práticas, prejudicando a vida e as oportunidades de milhões de brasileiros. E não estamos falando aqui apenas da conseqüência histórica da escravidão, que impediu que milhões de ex-escravos se incorporassem a vida social e econômica do país de forma menos subalterna, nas primeiras décadas do século XX. Também é preciso lembrar-se do estímulo à imigração européia como forma de “branquear” a população; das grandes desigualdades regionais até hoje presentes no Brasil, que prejudicam principalmente as regiões onde a maioria da população é negra; da pouca presença dos negros da elite social, econômica, cultural e política do país. Ou do fato de que até hoje uma das principais profissões disponíveis para as mulheres negras é a de empregada doméstica.
Muitos brancos devem estar se perguntando a esta altura o que todo este debate tem a ver com eles, que trabalham e ganham a vida com sacrifício, que não são filhos de latifundiários e não são herdeiros de donos de escravos; que não tiveram condições de estudar e que não sabem se seus filhos vão ter chance de cursar uma universidade. Afinal de contas, a grande maioria dos brasileiros, brancos e negros, não é pobre? E não sofre muitas dificuldades para levar sua vida com dignidade? Sim, o Brasil continua sendo um país desigual que não poupa aqueles que têm menos recursos e menos poder. Mas o Brasil também é um país que na sua Constituição e na sua utopia sonha em construir uma nação que inclua a todos como cidadãos com os mesmos direitos, que não faça distinção entre ricos e pobres, homens e mulheres, brancos e negros. Para isso, o que precisamos aprender como nação é que, para que estas distinções não se transformem em fonte de discriminação e desigualdade, é preciso fazer escolhas que promovam grupos historicamente menos favorecidos. As mulheres têm cotas na política. Os mais pobres têm hoje uma complementação da renda por meio de programas sociais. Alguns estudantes negros têm cotas no acesso ao ensino superior. Ainda são poucas as instituições que adotam este sistema, muito ainda precisa ser ampliado e aperfeiçoado. Mas já está fazendo a diferença, basta dar um passeio pelo campus de uma universidade que adotou cotas para ver que as salas de aula refletem mais a “cara” da sociedade brasileira, que em sua maioria é misturada, parda, preta.
Tantas são as mazelas deste país que muitas vezes nos inibem a criatividade e restringem nossa capacidade de sonhar. Neste momento, porém, vislumbramos a possibilidade de contribuir para a construção de uma sociedade mais democrática e menos desigual, a partir da ampliação de oportunidades para a população negra em todos os níveis entre os quais, certamente, a universidade é um espaço importante de mudança.
Esta escolha histórica que hoje o Brasil faz – e que esperamos que o STF futuramente ratifique – tem conseqüências importantes do ponto de vista da inclusão social e da ampliação de oportunidades. Trata-se de uma escolha que de forma nenhuma nega a nossa identidade nacional ou recusa a utopia da igualdade. Ao contrário: esta escolha permite que se caminhe em direção à utopia. Sem estas medidas, o Brasil continuará simplesmente reproduzindo suas desigualdades e aí sim, caminharemos em direção ao fracasso.

 Acesso em: 22/11/2011.