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segunda-feira, 18 de julho de 2011

QUANTO MAIS VELA MAIS ACESA - ELISA LUCINDA

Mãe eu tô com fome

eu dizia eu gritava eu mugia

minha vó zangada respondia

você não está morrendo e nem tem fome

Você tem é apetite

Você sabe que vai comer, aonde comer, o quê vai comer.

Fome não! A fome, minha neta,

a fome, meu irmão,

a fome, minha criança,

é um apetite sem esperança.

Quando há certeza de cereais, toalhas americanas,

guardanapos e alegrias da coca-colândia

não há fome de verdade.

Minha vó já dizia pra mim um futuro de Brasil.

Minha vó nem viu edifício crescer no lugar de pão

no lugar de trigo

nem viu criança com infância de semáforo

vendendo mariola barata, criança que mata

porque seu quintal tá sempre no vermelho

criança cujo ralado de joelho

dói menos do que o não morar, não existir, não contar

com a fome tenaz

Não há tenaz na escola

há só a cola de cheirar a dor doída

de um monstro estômago a roncar

um animal doído dentro do corpo a uivar

todo dia, sem boa vista, sem quinta zoológica onde morar

Com a fome das crianças brasileiras

forra-se a mesa, arma-se o banquete

dos que sempre tiveram apenas apetite.

A faminta criança foi apenas o álibi, o cardápio, o convite.

Desmamada ela cresce procurando o peito da pátria amada

uma banana, uma manga, uma feijoada

e a mãe pátria diz nada.

Tem ela apenas o horror, o descalor, a calçada

um ódio a todos os tênis dos meninos nutridos

um ódio a mochilas, a saudáveis barrigas

com contínuo furor de assaltar os relógios

um deter o tempo que é o seu verdadeiro balão

um cai-cai balão que só cai à mão armada.

A fome gera a cilada de uma pátria de não irmãos.

A gente podia ter gripe, asma, catapora, bronquite

A gente podia ter apetite mas fome não.

Minha vó bem que dizia sem errança:

fome é um apetite sem esperança.

(Escrito especialmente para a Campanha Ação da Cidadania Contra a Miséria e Pela Vida/ Betinho / 93. Encenado pela Cia. Teatral do Movimento sob a direção de Ana Kfouri).




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